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- Nosso Cantinho O IMPACTO – 19.05.2012O presente do Toninho à esposa CidinhaMaurinho AdornoA viagem começou a ser planejada numa tarde chuvosa do mês de fevereiro. Chegando à sua casa, após um exaustivo dia de trabalho, Antonio Carlos Gomes, o Toninho, fechou o guarda-chuva mirrado, com muitos furos, e em tom coloquial disse à sua esposa Maria Aparecida, a Cidinha: “no ano que vem nós vamos passar o Dia das Mães no Rio de Janeiro, será meu presente a você”. Cidinha ficou maravilhada com a cortesia do marido. Eles tinham saído da cidade apenas duas vezes nos 12 anos de casamento, uma delas até a cidade de Aparecida, onde Toninho pagou promessa pela cura de um enfisema pulmonar, e outra até o boqueirão da Praia Grande, naquelas viagens chamadas de “rojão”, de apenas um dia. Havia trocado ideia com seus colegas da metalúrgica e, de seu supervisor, recebeu a dica de procurar o Toledo, um profundo conhecedor das belezas da “Cidade Maravilhosa”.Com a esposa passou a programar: os filhos Ademar, de 7 anos, e Isabela, de 10 anos, ficariam com a avó materna Eulália; iria até uma agência da Caixa para abrir uma conta corrente e guardar os recursos para a viagem, dinheiro à vontade; telefonaria ao Toledo e conversaria ao máximo com amigos, especialmente com os que já conheciam as belezas naturais da capital carioca. Em poucos dias listou passeios ao Cristo Redentor, Pão de Açúcar, Maracanã, e até à verde e rosa, a sua Mangueira do coração. Não poderia deixar de relacionar as praias de Ipanema e Copacabana, e imaginava em sonhos ver as mulheres saradas, tomando sol com fio dental. Sobre essas alucinações obscuras não falava nada à Cidinha, mulher ciumenta. Decididos, mais que depressa foram às compras: camisetas polo, bermudas e sandália havaiana para ele, e maiô, sandália rasteirinha e duas bermudas para ela.Toninho era admirador de música e semanalmente frequentava o boteco do Jorge para ouvir e cantar samba. Era fã incondicional do Zeca Pagodinho. Resolveu, então, mandar gravar um CD pirata com suas músicas. Pensava até em ir a Xerém, subúrbio do Rio, pois com um pouco de sorte poderia encontrar o sambista tomando cerveja em um boteco próximo à sua casa. Adquiriu também um CD do Martinho da Vila e passou a escutar as músicas nos botecos do bairro em que morava, e em casa freneticamente, incomodando os vizinhos. Se estivesse na época do vinil, a agulha teria furado o disco. Entre um samba e outro, cantava “Aquele abraço”, de Gilberto Gil. Mas não passava de duas frases: “O Rio de Janeiro continua lindo, o Rio de Janeiro continua sendo”. Não precisava cantar mais nada, enfim a cidade continuava linda e continuava sendo o palco de mulheres maravilhosas. E estava à sua espera.Estava tudo pronto: dois pacotes turísticos comprados em 12 parcelas, R$ 1.578,00 em dinheiro, sacados da poupança, e um cantil de whisky – cheio de cachaça – presente do Toledo. O amigo Zé Hermínio foi levá-los até Viracopos na sexta-feira, a bordo de sua Brasília amarela. Ficou sabendo pelo Carlinhos de sua intenção em comprar um guarda-chuva, com impressão de pontos turísticos cariocas no pano, um entre cada uma das oito varetas. Havia visto um e, aproveitando, tencionava aposentar o seu velho apetrecho, uma peneira em dias de chuva. No aeroporto, muito embora acalmado pela guia turística, não teve dúvidas, tirou o cantil de pinga do bolso interno do paletó e deu uma talagada. Estava com medo de voar. Bebeu por mais duas vezes, uma dose dupla quando o comandante disse que o aeroporto do Rio estava sem teto e teriam que ficar por duas horas em São Paulo. Outra, aliviado, quando desceu da aeronave e pisou em terra firme.A forte chuva no desembarque foi contemporizada pela guia turística: “é só esta noite”. Na manhã seguinte, chuva forte, céu nublado a ponto de não se enxergar um raiozinho de sol. Saiu do hotel, parou um táxi e contratou uma corrida até o Cristo Redentor por R$ 120. Imagem encoberta, passeio suspenso e mais R$ 110 para o retorno ao hotel. Carlinhos disse impropérios ao se referir ao serviço de meteorologia que consultou e garantiu sol e temperaturas entre 32 e 34 graus. Cidinha, devota de Nossa Senhora Aparecida, não se dava por derrotada e dizia a cada 10 minutos: “amanhã o sol vai sair, meu Tonho”, maneira carinhosa com que se dirigia a ele desde os tempos de namoro. E assim, ambos ficaram enfurnados no hotel até a manhã seguinte, segundo domingo de maio, o Dia das Mães, o dia da Cidinha. Chuva e mais chuva, parecendo que o Rio iria desabar. Ele ofereceu uma feijoada no boteco da esquina à sua amada. E ela, feliz da vida.O frio fez com que Carlinhos comprasse uma blusa para ele e um casaco à sua esposa no brechó vizinho ao hotel. Aproveitou e comprou também, por R$ 55,00, o guarda-chuva estampado. Havia pensado em visitar o Maracanã, mas foi desaconselhado pelo porteiro do hotel: “o estádio antigo não existe mais, você gastará dinheiro a toa para ver os pedreiros trabalhando”. Desistiu. Mas, e as mulheres com as marquinhas de biquíni? Pegou um táxi e percorreu as praias de Copacabana e Ipanema totalmente vazias. Soube que no Maracanãzinho tinha um show de seu ídolo, o Zeca Pagodinho, mas desistiu ao saber que só tinha camarotes à venda por R$ 350,00 per capta. Desolado, chegou à conclusão de que não tinha nada mais a fazer naquela cidade maravilhosa, cheia de encantos mil. Num ímpeto, lembrou que havia colocado o jogo de damas no fundo da mala. Passou os dias restantes do passeio ensinando e jogando com a Cidinha. Chovia muito, mas estavam felizes.Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista,
e ex-diretor dos jornais O Impacto e Gazeta Guaçuana.
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