Nosso Cantinho O IMPACTO –15.12.2012 Maurinho Adorno
Biru kudassai,
o erro do Arquimedes
Arquimedes Andrade é torcedor fanático do Corinthians. Ele diz que é um fenômeno genético - uma paixão doentia - que acometeu seu pai e seu avô, e já está impregnado em seu filho, Arquimedes Jr., um companheiro inseparável a acompanhá-lo onde quer que a equipe se apresente. A esposa Ferna
nda, com o sobrenome de nascimento Malvezzi, como não poderia deixar de ser, torce pelo Palmeiras e, eles sempre estão às turras, especialmente quando seus amados times se enfrentam. Macarronada e carne de porco aos domingos, nem pensar. É mau agouro. Dá a impressão de que é festa palmeirense.
Linda e exuberante, sempre feliz e de bem com a vida, Fernanda sempre teve ciúme pelo filho ser corintiano. Matreira, tentava fazer a cabeça do filho único, contando suas origens e seu amor pelo Palestra. Usava seu charme com o marido, sempre tentando reverter a decisão do Junior. Mas, não adiantava. Diariamente, ao chegar à sua casa, Arquimedes mandava o filho vestir a camisa do Corinthians e, como num ritual religioso, cantavam o hino do time, com os olhos fixos, voltados à bandeira hasteada na sala. Nesses momentos, ela pegava seu laptop e ia para o quarto conversar com amigos nas redes sociais. E, quando possível, retaliando o time adversário.
A maior desavença do casal teve início com a classificação do Corinthians para a Copa dos Campeões, no Japão. Arquimedes resolveu ir. Na famigerada noite em que falou sobre sua intenção à esposa, discutiram até madrugada e terminaram por dormir em camas separadas – ele no quarto do Junior. No dia seguinte, começou a tomar as medidas necessárias para a viagem. Conseguiu de seu patrão – também corintiano – a liberação de seu FGTS, vendeu o carro da família pela metade do preço estipulado pela tabela FIPE, sacou o saldo da poupança, tirou o passaporte e comprou um pacote turístico, com direito a passagens aéreas, hotel, entrada para as partidas, tudo em 12 vezes.
No sábado anterior à viagem, Arquimedes reuniu os colegas de fábrica e patrocinou um churrasco, regado a cerveja e cachaça. Muita cachaça. No primeiro gole, disse aos amigos em voz alta:
– Vou buscar a taça. Viva o Corinthians.
No dia da partida, ao invés de um clima de euforia, sua casa estava com ares de velório. Fernanda em um canto destilava veneno pelas economias da família que foram pelo ralo. Ela teria que adiar a compra da nova geladeira. Juninho segurava as lágrimas por não acompanhar o pai pela primeira vez a uma partida do time do coração. Mas ele, Arquimedes, não continha sua alegria. Beijou o filho e entrou na perua van que o levaria ao aeroporto.
A bordo do Boeing 737-400 da Japan Airlines (JAL), em pouco tempo fez amizade com os 167 colegas de viagem, todos corintianos. Cantou samba e o hino oficial do clube, e bebeu saquê e cerveja Asahi, comeu sushi e sashimi para se habituar às comidas e bebidas nipônicas.
Na tarde de quarta-feira tomou um trem bala para chegar a Toyota, cidade situada a 400 quilômetros de Tóquio, para assistir ao jogo com o Al Ahly. Sofreu os 90 minutos pelo desempenho fraco do time. Mas, a equipe estava classificada: 1 a 0. De volta a Tóquio, Arquimedes e alguns colegas pararam em um bar na rua do hotel para comemorar a vitória. Aprendeu com o intérprete o suficiente para chamar o garçom e dizer:
– Biru kudassai! Saquê kudassai! (Cerveja, por favor! Saquê, por favor!).
Achou bonito dizer “kudassai” e disse tantas vezes até que ficou bêbado; saiu à rua e urinou no meio fio. Na tarde de ontem um avião da JAL aterrissou em Guarulhos e dele desceu um passageiro ilustre: o deportado Arquimedes. Amanhã eu sei que ele verá seu timão enfrentar o Chelsea pela televisão, em sua casa. Só não sei se terá as companhias da Fernanda e do Júnior.
Maurinho Adorno é jornalista.
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