Nosso Cantinho O IMPACTO – 30.06.2012
Perto do incesto com minha prima
Maurinho Adorno
Os dois principais clubes da cidade, Recreativo e Grêmio, disputavam a sociedade mogimiriana no final da década de 60. Shows, bailes com orquestras e bandas de renome eram eventos mensais frequentados pela maioria da elite social, uma vez que os sócios de um eram sócios do outro. Eu frequentava os dois clubes, embora não fizesse parte da alta sociedade. Gostava de dançar, especialmente músicas românticas e um bom samba. Não curtia o twist ou outros gêneros mais exaltados. E não curto hoje. Mas, respeito quem gosta. Na verdade, às vezes arriscava uns passos de samba, por insistência de algumas de minhas amigas. No carnaval era diferente – dançava nos dois clubes numa mesma noite. Talvez curiosidade: se estivesse no Grêmio tinha necessidade de ver a folia de Momo do Recreativo. Não era só eu que tinha esse costume; a rua Chico Venâncio era o caminho natural entre as duas entidades.
O empresário Amilcar Malvezzi comandava a direção do Grêmio Mogimiriano, sede social e esportiva, e o cirurgião dentista Ulysses Peres de Barros presidia o Clube Recreativo. Eram amigos. E eu tive o prazer de desfrutar da amizade dos dois. Dentro da disputa sadia, o Grêmio começou a patrocinar um bloco carnavalesco, e o Recreativo respondeu com uma boate, a Boatoca, instalada na parte superior do prédio, comandada pelo jovem André Peres Piccolomini. Um cantinho aconchegante, disputadíssimo em virtude do pequeno espaço. Ambos os clubes foram importantes na cidade, mas nas últimas décadas deixaram de promover aqueles bailes deslumbrantes, pelo próprio desinteresse dos associados. Aliás, nos últimos anos o Grêmio deixou de ter a propriedade do prédio da Rua Chico Venâncio. Essas noitadas dançantes foram retomadas ultimamente pelo Clube Mogiano.
Naquela época, os jovens mogimirianos frequentavam clubes das cidades vizinhas, como o Cerâmica Clube, de Mogi Guaçu, o Clube XV, de Itapira. Era uma aventura e havia a necessidade de tomar cuidado com o ciúme dos jovens guaçuanos e itapirenses. Tirar para dançar uma menina comprometida era briga na certa. Em verdade, havia uma rivalidade exacerbada não só no campo social, como também no esportivo e no político. Mogi Guaçu disparou e tomou a dianteira dentre as cidades da região. Minha terra, Mogi Mirim, se destacou a partir do momento em que sua equipe de futebol começou a disputar o Campeonato Paulista. Eu não tinha problemas nessas cidades, pois adquiri boas amizades em função de minha atividade profissional. Circulava pelos clubes sociais e sempre era bem recebido. Tive namoradas em ambas, tudo dentro da seriedade e respeito, como era comum naqueles tempos.
As moças que vinham de outras cidades aos bailes mogimirianos eram disputadas acirradamente pelos jovens. Ganhar a menina visitante era o mesmo que conquistar um troféu, mesmo que fosse amor de uma noite só. Num dos bailes do Grêmio Mogimiriano, deparei com uma moça bonita, alta, sorridente. Não tinha relacionamento com suas amigas, mesmo assim arrisquei convidá-la para dançar. Poderia levar uma “tábua”, mas isso fazia parte do jogo. Um dia a gente ganha e em outro perde. A moça aceitou. Dançamos em pouco tempo estávamos de rostos colados. Começamos a conversar e, como é natural, perguntei seu nome e sua cidade. “Maria Aparecida, de Bauru”, disse ela. Tinha parentes em Mogi? foi minha segunda pergunta. A resposta me gelou: “sim, famílias Rahal e Adorno”. Era minha prima de primeiro grau. Em meio a muita risada, discutimos sobre nosso parentesco.
Maria Aparecida, minha prima Cidinha, é filha de meu tio João Dias Adorno, um funcionário federal que se aposentou trabalhando no INSS, e de minha tia Ablim Rahal Adorno, a quem chamávamos de tia Evrin, por ter um nome difícil de ser pronunciado e guardado. Cidinha se casou e hoje carrega Nogueira Valente em seu nome. A nossa rápida paquera é assunto de família. Fico imaginando como seria se não descobríssemos nossos laços de parentesco: com certeza se chegássemos ao sexo – inimaginável naqueles tempos – teríamos cometido incesto, um verdadeiro tabu condenado pela sociedade. Seria “couro” na certa por parte de nossas famílias. O incesto terá pena severa com a edição do novo Código Penal, independente da idade. Hoje o projeto ainda está tramitando na Câmara Federal. Eu e minha prima Cidinha escapamos dessa. Ainda bem.
Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista,
e ex-diretor dos jornais O Impacto e Gazeta Guaçuana.