Sob o olhar de Maurinho Adorno – Gazeta 22.05.2014
Um dia ela vai acabar,
e não adiantará reclamar
Acordei com uma sede danada e intrigante, mas interessante, pois não fui dormir de ressaca. Minha esposa ofereceu um suco de laranja, mas recusei. “Água, água pura”, eu pedi, pois minha sede era de água, de água mesmo. Nunca havia acordado com tanta secura na boca. Em segundos, me lembrei do Jayminho, José Jayme Guerreiro Franco, meu médico cardiologista e clínico geral, com que eu passara por consulta médica na véspera. Consulta, diga-se, de passagem, de rotina, o tal de chek-up.
Jayminho, com sempre, mandou-me fazer um eletro cardiograma, aquele exame simples, mas chato pela aplicação do gel para afixação das ventosas que seguram os sensores no peito, na barriga e nas pernas. Exame negativo, ele auscultou (bonito isso, só médico, mesmo) o pulmão e o coração e apalpou a barriga com as duas mãos. Tudo em ordem. Ainda bem, pois não vou a médico para procurar doenças. Sentamos para os pedidos de exames de rotina e relatei um resfriado. “Você precisa tomar mais água”.
Tomei um copo duplo de água gelada, consciente de que o Jayminho havia agido em meu subconsciente a noite toda, e comecei a refletir sobre a importância da água, minutos após, quando fui ao banho. Água para o banho e para a descarga da privada. Uma semana em que faltou água em casa, foi aquele trabalho danado: arrumar roupas, sabonete, toalha, etc., para filar o chuveiro de minha irmã Maristela. É difícil ou até impossível viver sem a água.
Banho tomado, eu fui ao espelho recortar a barba. E lá vem ela de novo, a Água Velva, que os caipiras chamam de “água verva”. Existe até a brincadeira do barbeiro de antigamente: ele acabava de fazer a barba do caboclo e perguntava: “arco, tarco ou água verva?”. Eu não estava indo para a praia, mas me veio à mente o litoral e eu sentado à beira da praia, naquela avenida grande, sob um grande coqueiro, tomando de canudinho uma água de coco bem gelada.
Na minha juventude, ela estava presente de forma indispensável: muito amigos tomavam gim com água tônica, mas a minha preferida era a água em estado sólido, em cubinhos, adicionada ao whisky ou ao cuba libre. Depois, aprendi a adicioná-la à caipirinha. Estou relatando esse fato para descrever a grande importância da água, afinal, ela era responsável, pelo menos em parte, às bebedeiras da época e por algumas cirroses hepáticas. Beber “água que passarinho não bebe” pode resultar em sérias complicações.
Na reflexão sobre a importância da água, eu me lembrei da água da vida, mas não confundam com a água viva, aquela das praias que faz a gente “morrer de dor”. É a água que os médicos chamam de líquido amniótico (bonito nome), responsável pela piscina da bolsa da grávida, onde o bebezinho nada de braçada, sem perigo de sofrer afogamento. Aliás, existe até o parto na água, realizado em banheira ou piscina. Umas mães, mais espertinhas, usam o método para economizar com natação no futuro.
Existem umas mulheres que tiram proveito da água benta, normalmente presente em pias às portas das Igrejas. Eu conheci uma jovem que fazia trottoir a noite inteira e, na missa das 10h00, parava à porta da Igreja para se benzer e curar os pecados da véspera. Não adiantava o padre tentar tirá-la da prostituição, mas ele insistia diariamente, crente que “água mole em pedra duram tanto bate até que fura”. Não furou, até hoje, já idosa, ela vira a bolsa.
A água, ou “precioso líquido”, como dizem, está acabando. Esse fato está ligado ao desmatamento desenfreado que solapa as nascentes, a destruição das matas ciliares, a estiagem provocada pela ação do homem na emissão de gases, e por seu desperdício. O homem está sendo egoísta, não está pensando nas gerações futuras. Oxalá, um dia vejamos “as águas de março fechando o verão”, como bem cantava Elis Regina.
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