Sob o olhar de Maurinho Adorno – Gazeta 31.07.2014
Empregada doméstica
ou secretária do lar?
Todas as profissões são nobres. Isso é óbvio, mas às vezes as pessoas descriminalizam esta ou aquela, ignorando ou não percebendo que elas se complementam. Nos tempos idos, a elite profissional era composta por médicos, advogados, dentistas e engenheiros – os chamados doutores, o resto era subemprego. Não há diferença, todas elas são importantes: o que realmente acontece é a diferença de salários, em alguns casos de grandes proporções, especialmente num país cuja distância entre o salário do rico e o do pobre se torna uma afronta.
No caso dos médicos, eles são valorizados sobremaneira, pois salvam vidas, através de tratamento ou cirurgias. Precisamos olhar por outros ângulos: eles são dependentes, para ministrar os remédios, de operários que trabalham na indústria farmacêutica, ou das enfermeiras, sem as quais seus procedimentos cirúrgicos fariam água. Indo um pouco mais longe, raciocinemos que eles usam bisturis nas cirurgias, um instrumento cujo nascedouro se deve aos mineiros, na lavra das jazidas de minério de ferro. Sem eles, os mineiros, não haveria as cirurgias.
Numa manhã estava observando o trabalho de um gari, varrendo a rua, coletando o lixo e empurrando seu carrinho, sob o sol escaldante. Pensei: “à tarde ele estará cansado, com o uniforme sujo”. Não fossem profissionais como os garis, as ruas ficariam com os lixos fétidos acumulados, dando oportunidade para os ratos e baratas proliferarem, causando epidemias de diversas doenças. Esses são os que se apresentam aos nossos olhos, mas existem outros que trabalham nos lixões da vida.
Os coveiros são profissionais que causam certa repulsa, talvez pelo fato deles cobrirem de terra nossos entes queridos. Mas, naquela hora de dor, nós até os agradecemos pela maneira gentil com que fazem seu trabalho. Existem alguns sem espírito humano e de solidariedade, tipo casca grossa, mas isso é comum em qualquer profissão. E nós precisamos deles. Ao escrever sobre esses profissionais, eu me lembrei da obra “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo. Nela, os coveiros entram em greve e os corpos de diversos mortos ficam expostos e apodrecendo à porta do cemitério. Da ficção à realidade, é só pensar.
O agricultor é fundamental à nossa existência. É ele quem nos fornece os alimentos e nem sempre merece nossa consideração. Normalmente é visto como pessoa inculta, pela sua maneira de se expressar de forma acaipirada. Eu tenho respeito e consideração por essa categoria, pelas minhas origens no rural – meus avós eram sitiantes. O trabalho dele é de sol a sol e, para o sucesso em sua colheita, é dependente do tempo: precisa de chuva no plantio e tempo estável no momento da colheita. No resumo da ópera, sem ele nós morreríamos de fome.
Uma categoria menosprezada é a das domésticas. Poucos valorizam essas mulheres que cuidam de nossos lares. Somente agora o governo está adotando as medidas para que elas tenham direito a benefícios sociais, como horas extras, Fundo de Garantia e 13º. salário. É um contra senso colocá-las num plano inferior, até porque a mais sofisticada madame é uma doméstica. Na ausência de sua auxiliar, ela vai ao fogão e, terminada a refeição, lava os pratos e varre a casa. Enfim, nessas horas, ela é doméstica. Eu gosto quando vejo uma patroa a chamando de “secretária do lar”.